quinta-feira, 28 de maio de 2015


Quem tem medo de assombração? (Por Jerrana Cantarelli)

Ouvir histórias de assombração é muito bom. Conheço muita gente que adora. Gente grande inclusive. Eu mesma já ouvi muitas e continuo querendo ouvir, com muito prazer. Mesmo que, quando era criança, depois passasse a noite morrendo de medo, louca pra ver o Sol nascendo ou ouvir o galo cantar, supostos antídotos para todos os lobisomens que se deslobisomavam na hora e para todas as visagens que se evaporavam nos deixando em paz.
            A cidade do Recife é mal-assombrada. E tem muitas histórias fantásticas de fantasmas, de seres encantados, de pernas cabeludas. Todo mundo sabe de pelo menos uma historiazinha qualquer envolvendo seres de um mundo do além (pelo menos quem gosta de manter antigas tradições). 
            Essa coletânea traz algumas histórias que se relacionam com lugares mal-assombrados que são parte da paisagem ao longo do trajeto que faz o catamarã Águas do Capibaribe navegando no complexo estuarino do Recife, durante as aulas oferecidas às crianças, aos jovens e adultos que estudam nas escolas da Prefeitura do Recife. Algumas entidades mágicas e encantadas também são aqui lembradas.
            São histórias encontradas facilmente em livros, na internet, ou mesmo na história oral de pessoas que moram no Recife. Ou muito longe daqui.
            Espero apenas que você goste.
            E que se arrepie de medo pelo menos um bocadinho.

O Rio Capibaribe

            O rio Capibaribe é um rio assombrado. Você acredita? E não é só um fantasminha não. São muitas as almas penadas que dizem, assombram suas águas, suas margens, seus mangues, suas pontes. Já pensou? Quantas são as pontes sobre esse rio? E se muitos fantasmas estão em cada uma dessas pontes? Faça as contas...
            Ele nasce pequenininho, em uma cidade chamada Poção, na região do Agreste pernambucano. E depois, ao longo do caminho que faz seguindo em direção ao mar, ele vai crescendo, crescendo. Inclusive porque vai se juntando com outros fiozinhos de água, riachos e rios. Quando ele chega ao Recife, vai cortando vários bairros e no centro da cidade, ele domina a paisagem, a vida das pessoas.
            O rio Capibaribe já foi um rio limpinho e as pessoas costumavam tomar banho, pescar, lavar roupa, navegar nele.
            Quantas pessoas saíram para se divertir em um dia de banho no rio e morreram afogadas? Acidentes acontecem todos os dias. Claro que foram muitas pessoas. Minha avó dizia que ‘água não tem cabelo’, pra gente não ser afoito, ter cuidado. Em alguns pontos as águas do rio são de muita correnteza e arrastavam banhistas descuidados que só apareciam no outro dia, quilômetros adiante, mortos. O defunto duro, inchado e roído de peixe. Hoje com certeza, seus espíritos continuam brincando pelas margens desertas do rio, nas noites de Lua cheia. Ou pedindo socorro, desesperados, aos vivos que estão de passagem por ali.
            E tem ainda os que decidiram acabar por conta própria, com suas vidas – os suicidas. Pode ter certeza, lá naquelas águas muitas pessoas se mataram. As almas de suicidas ficam penando, angustiadas, vagando por aí, pelas pontes de onde devem de ter pulado, na escuridão da noite, para morrerem afogados.
Aliás, o nome do Bairro de Afogados vem de afogamentos que ocorreram no Capibaribe-Mirim, no tempo do Brasil Colônia.
            Hoje, apesar da poluição, muitos pescadores vêm trabalhar no rio Capibaribe e conseguem capturar peixes, siris, coletar sururu, unha-de-véio, ostra, marisco. Já conversei muitas vezes com catadores de sururu e um deles me contou que alguns amigos seus morreram afogados quando estavam mergulhando para retirar das águas grossas do manguezal seu sustento. É, porque pra pegar sururu o camarada tem que mergulhar. E esse serviço de mergulhar é muito perigoso. Existem histórias que o povo conta de baiteiras que vagam sozinhas pelas águas do Capibaribe. Você vê a baiteira, calminha, o rio calminho... mas não vê gente. Pura visagem. Com certeza uma alma pescando ou passeando de barco.
O sociólogo Gilberto Freyre (cientista dos mais sérios e que gostava, como eu e você, de histórias de assombrações também!) conta em seu livro que fala das assombrações do Recife sobre um fantasma que atormentava as lavadeiras que vinham lavar roupas no rio Capibaribe. Esse fantasma tinha até nome, era chamado de Vira-roupas. O danado do Vira-roupas era especialista em roubar das trouxas das pobres mulheres lavadeiras as camisas finas de doutores, toalhas de casas lordes, lenços caros de iaiazinhas Como infelizmente as águas do rio não servem mais para lavar roupas, não se fala mais do Vira-roupas.

Cruz do Patrão
Há quem diga que o lugar mais assombrado do Recife chama-se Cruz do Patrão. Você sabe onde ela fica?
Hoje em dia a Cruz do Patrão fica na ilha do Recife que antes era um único terreno chamado de istmo de Recife-Olinda. De um lado do istmo ficava o Rio Beberibe e do outro era a praia, o porto do Recife.
A Cruz do Patrão é uma coluna de alvenaria, com uma cruz, que ninguém sabe ao certo quando foi construída, mas encontra-se entre o forte do Brum e o que sobrou das ruínas da fortaleza do Buraco. O nome patrão vem de patrão-mor, que é o título dado ao responsável pelo porto. Há quem diga, foi primeiramente construída em madeira e que servia de baliza para os barcos que chegavam para atracar no porto. E tornou-se ponto de encontro com almas penadas... Será?
No tempo da escravidão, as pessoas quando morriam, eram enterradas dentro das igrejas. Mas os escravos não tinham esse direito.  Nas proximidades da Cruz do Patrão eram enterrados os negros escravos vindos da África que desembarcavam mortos dos navios. Mary Graham era uma inglesa, esposa de um Almirante de um navio que passou pelo Recife e ela escreveu em seu diário que viu muitos corpos de negros sendo desenterrados pelas águas da pela maré, pois eles eram enterrados nas praias, em covas rasas.
Pernambuco foi um dos lugares aqui do Brasil que mais recebeu escravos para trabalharem como escravos domésticos e principalmente nas plantações de cana-de-açúcar. É de se esperar que os espíritos dos escravos obrigados a abandonarem o lugar em que nasceram, obrigados a se afastarem de suas famílias e viverem em cativeiro ainda vagueiem pela noite, clamando por justiça.
Até o século XIX, era nas proximidades da Cruz do Patrão que eram fuzilados os militares condenados à morte e o povo do Recife costumava assistir a essas execuções!
O escritor Carneiro Vilela, no livro "O Esqueleto", transformou o lugar onde está a Cruz do Patrão em cenário para o encontro do personagem Felipe com sua noiva Lívia. O detalhe é que o encontro romântico aconteceu depois da morte da moça. E você, tem coragem de marcar um encontro com sua namorada (de preferência viva, claro!) numa noite de lua cheia, bem romântica, lá perto da Cruz do Patrão?
Outra história muito conhecida é a de um soldado que foi preso, acusado pela morte de um estudante encontrado assassinado junto à Cruz. Mandado para a prisão que era lá na Ilha de Fernando de Noronha, ele também morreu. Depois se descobriu o verdadeiro assassino. Então, o espírito revoltado desse soldado, por ter sido acusado de um crime que não cometeu vaga por ali, perto da Cruz,
O lugar já foi muito utilizado para reuniões de praticantes das religiões afrobrasileiras. Numa dessas reuniões, apareceu Exu, que se engraçou de uma moça que ali estava e a perseguiu até o rio Beberibe, onde ela se atirou e ele foi atrás dela, saltando nas águas do rio também. É daí que vem outra história que é contada no seguinte poema de Mauro Mota:
Veja que o pessoal tem o costume de dizer que Exu é o diabo, mas não é não. Ele é um orixá, um deus trazido ao Brasil pelos negros escravos, mas essa é uma outra história.
A Cruz do Patrão permanece no Porto do Recife e pode ser avistada da Ponte do Limoeiro embora poucas pessoas saibam o seu significado.

Arquivo Público
Na aula, quando a gente passa de barco pertinho desse prédio quase não conseguimos percebê-lo. Do lado do rio por onde vamos, avistamos apenas os fundos dele e a sua entrada fica na rua do Imperador, número 371, bairro de Santo Antônio, (esse é o endereço, para quem for corajoso e quiser qualquer dia desses ir fazer uma visitinha aos fantasmas do lugar).
Foi construído para ser a Casa de Câmera e Cadeia do Recife em 1731. Só em 1945, o prédio se tornou a sede do Arquivo Público Estadual, responsável pela preservação de documentos históricos e periódicos, que hoje podem ser consultados por estudantes e pesquisadores.
Os funcionários do local contam histórias de arrepiar!!!!! Eles garantem que a gente pode subir pelas escadas e de repente dar de cara com fantasmas. Um dos que mais gostam de aparecer é o fantasma de Frei Caneca que ficou preso lá, quando o prédio era cadeia.
            Você pode se encontrar com vultos vestindo roupas antigas, entre os documentos antigos do arquivo. Se você sofre do coração esteja ao menos preparado, não brinque não. Até os sisudos seguranças que trabalham lá contam que já se depararam com visagens do além. E garantem que ouvem fantasmas que abrem portas, quebram copos e veem antigos prisioneiros e negros acorrentados, deixando todo mundo apavorado.

O Teatro de Santa Isabel
O Teatro de Santa Isabel está localizado na margem direita do rio Capibaribe, perto do Palácio do Campo das Princesas e tem os fundos voltados para o rio e a frente para a praça da República. Foi construído pelo engenheiro francês Louis Lérger Vauthier entre 1841 e 1850. É muito bonito e além de ser palco de concertos e espetáculos, ele faz parte da história de luta pela liberdade dos escravos, pois, lá abolicionistas se reuniram para lutar contra a escravidão.
O Teatro não é importante só por sua beleza e pelo seu significado histórico. Para nós que estamos pensando nas assombrações, como caça-fantasmas pelas ruas, o Teatro de Santa Isabel esconde mistérios.
Existem histórias contando que nos camarins, na platéia, nos corredores e camarotes, desfilam assombrações e são ouvidos sons arrepiantes. Em seu livro Assombrações do Recife Velho, o escritor e sociólogo Gilberto Freyre descreve alguns desses acontecimentos inexplicáveis:
"O que se murmura entre os empregados antigos e discretos do Santa Isabel é que em noites burocraticamente silenciosas se ouvem, no ilustre recinto, ruídos e aplausos, palmas, gritos de entusiasmo de uma multidão apenas psíquica. Mas sem que se possa precisar a que ou a quem são os seus aplausos de bocas e mãos que não aparecem."
Tem o relato de uma faxineira que ficou presa no banheiro do teatro com uma mulher alta e loura, com algodão na boca e nas narinas. A moça diz que queria sair correndo e não conseguia se mexer, queria gritar mas não tinha voz.
E a história do vigia que ouviu o piano tocar? Quando foi ver, não tinha  ninguém e o piano estava fechado!
Ainda hoje em dia, testemunhas garantem que, quando o público e os artistas se retiram, é a hora dos malassombros e almas penadas se apresentarem no teatro.

A Loira do MAMAM
Pertinho do Teatro de Santa Isabel, do outro lado do rio, na Rua da Aurora, fica o prédio do Museu de Arte Moderna Aluisio Magalhães, o MAMAM. O pessoal que trabalha lá garante que todo mundo conhece a misteriosa Loira do MAMAM, ou porque já tiveram um encontro cara a cara com ela, ou porque já ouviram falar dela.
A Loira do MAMAM é descrita como uma jovem galega é claro, vestida de branco (parece que fantasma adora vestir-se de branco) e muito bonita.
Tem funcionário que jura que fica, durante a noite, torcendo para ela aparecer, doido pra conseguir um encontro com ela. Mas ela é teimosa e não aparece. Deve ser de propósito. Ora, fantasma tem que dar susto, tem que aparecer de repente, pegar o cara desprevenido, não vai querer aparecer pra esse pessoal enxerido, não.
Mas e quem era essa moça? Esse prédio antigo foi construído para ser a sede do Clube Internacional, que lá funcionou durante anos. Na década de 1920 uma jovem que ia completar seus quinze anos em uma fabulosa festa de debutantes que aconteceria lá, morreu. E porcausa disso a alma dela ainda não conseguiu sair de lá, querendo participar da festa, dançar valsa, comer docinhos, bolo, arrumar um paquera, um ficante...
Contam que o pai de uma das funcionárias do MAMAM, fez uma pesquisa sobre o histórico do edifício, e descobriu “que no ano de 1920, uma jovem chamada Ana Lucia, durante o baile de debutante, caiu da escadaria, quebrou o pescoço e faleceu. Segundo registros, fotos e leitura do Diário Oficial da época, a adolescente era loira, ou galega para quem preferir, e vestia um vestido branco”.

A emparedada da Rua Nova
 O escritor Carneiro Vilela escreveu um livro chamado “A emparedada da Rua Nova” relatando o caso de uma jovem que foi engravidada pelo namorado e que foi emparedada viva em seu próprio quarto para encobrir uma possível vergonha familiar. Esse crime foi cometido num sobrado na Rua Nova, onde hoje está localizado o prédio tem o número 200. E onde funciona uma loja da Exótica Calçados.
Até hoje não se sabe realmente se essa história, envolta em mistério é verdadeira ou se tudo não passou de imaginação do escritor.
O fato é que funcionários da loja juram que já presenciaram fatos estranhos naquele sobrado e vendedora da loja vendedoras não vai até o estoque sozinha com medo de encontrar a alma sofredora da pobre jovem assassinada pelo próprio pai.

Encanta Moça
Hoje em dia esse é o nome poético e romântico de uma avenida do Pina, na zona sul do Recife. Mas sua origem é macabra.
Dizem que uma sinhazinha branca, moça rica e bonita do tempo dos grandes engenhos estava passeando à noite nas proximidades daquela localidade quando se viu perseguida por um Exu. Para escapar, ela teria desaparecido encantando-se nos mangues. Outros lembram que a sinhazinha fugia não de um Exu, mas de seu marido ciumento, que cismara que ela o traia com um escravo. Na fuga ela encantou-se nos mangues, talvez tendo virado alamoa.
E prepare-se, pois uma terceira versão diz que a tal sinhazinha era uma moradora do bairro de São José que atravessou a Bacia do Pina para ir para a praia e se separou do grupo se perdendo no denso manguezal que existia no lugar.
Seja qual for a versão, o fato é que a moça encantada virou assombração e contam os antigos moradores do lugar, que nas noites de Lua cheia ela aparece nuinha para atrair os homens. O abestalhado quando vai chegando mais perto vê o vulto da moça desaparecer. E se for no restinho de manguezal, a vítima  se perde na lama para nunca mais voltar.
Ah! E para quem não sabe, Exu é um orixá, um deus trazido pelos escravos da África. Ele está relacionado ao destino das pessoas, aos caminhos, às encruzilhadas, às comunicações. Mas infelizmente as pessoas costumam associar Exu com o Diabo. É, mesmo porque essa história de dizer que Exu é o demônio é pura invencionice do povo. Exu é um orixá reverenciado nos locais de culto afrobrasileiro. Mas isso é uma outra história.

Pai do Mangue
            Em 1994 fui trabalhar na Escola Municipal Novo Pina que fica ali no bairro do Pina. Eu e os estudantes estávamos fazendo estudos sobre os manguezais e como já disse, gosto muito de histórias de assombrações. E aí, perguntei se no manguezal não tinha assombração. E o que eles me disseram? Ora, claro que tem. Elas estão em todo lugar. Na hora os estudantes me contaram a história de Cumade Fulozinha, que eu já conhecia. Não que já tivesse sido apresentada a ela, claro que ela é encantada, mas porque meu pai já falara pra mim. Mas a história de Cumade eu conto depois. Porque eles me falaram também do Pai-do-mangue. Esse eu não sabia que existia e na época a gente fez até uma brincadeira. Sabe aqueles retratos falados que o pessoal faz nos filmes policiais? Então, nós fizemos um retrato falado inventado do Pai-do-Mangue. Foi divertido!
            Saiu um monstrengo coberto de lama e lodo, feio de doer e de fazer cabra macho correr bem ligeiro, pra bem longe, pondo sebo nas canelas pra se salvar.
            Pois eu também achei a história dessa entidade encantada na internet.
            Contam que existe um manguezal crescendo nas margens do rio Capibaribe lá no bairro da Torre. E que o Pai do Mangue assombra o povo que mora nos edifícios das proximidades. Fica num ponto onde barqueiros fazem a travessia de pessoas que precisam ir para o outro lado do rio, no cais da Jaqueira (ou vice-versa). Esse movimento só acontece durante o dia, porque de noite todo mundo vai embora e tudo fica deserto. É nessas horas que o Pai do Mangue resolve aparecer, disposto a meter medo em qualquer um que resolva encará-lo.
            Mas o pessoal que mora por perto diz que dá pra ouvir a risada estridente, cavernosa, assustadora do Pai do Mangue de longe, de lá do alto dos edifícios mais próximos.  E que o fenômeno se repete sempre por volta da meia-noite.
Quem seria o Pai do Mangue? Os moradores daquelas bandas já desistiram de querer desvendar esse mistério e procuram conviver em paz com o tal fantasma.

Cumade Fulozinha 
            A primeira vez que eu ouvi falar de Cumade Fulozinha foi nas histórias que meu pai e minha mãe contavam. Meu pai nasceu longe do Recife, lá no sertão pernambucano. Era um vaqueiro que cuidava de gado, criava bode.  E gostava de caçar. Naquele tempo, quando eu era criança, podia caçar os bichinhos do mato. Então, meu pai saía, ia caçar na caatinga que conhecia muito bem, desde quando ele era menino. Antes de entrar no meio dos matos ele tinha por costume deixar um presente para o Encantado que ora ele chamava de Caipora, ora chamava de Cumade Fulozinha (era assim mesmo que ele dizia). Voltava trazendo rolinha, juriti, arribanção (passarinhos), mocó e preá (que parecem uns ratos), tudo pra gente comer. Pois uma vez ele saiu e esqueceu-se de levar o presente da Cumade, que era fumo e um naquinho de mel em favo. E ele se perdeu. Passou um dia e uma noite todinha, dentro da caatinga. Perdido, perdidinho, em um lugar que ele conhecia tão bem. Tudo por causa da Caipora que se zangou por ele ter esquecido o seu presente.
Como já disse, quando fui trabalhar na Escola Novo Pina, essa história de Cumade Fulozinha era contada pelas crianças nas rodadas de conversa durante as aulas. De modo que nós chegamos à conclusão que Cumade Fulozinha não habita só a caatinga. Ela gosta de ficar também no manguezal, nas matas, protegendo os bichinhos, as árvores, a natureza.
É, porque as crianças diziam que o mesmo que aconteceu com meu pai já havia acontecido com pescadores e catadores de sururu, de marisco, de unha-de-véio,  que se perdiam no manguezal, quando não davam presente ou era malvado com os animaisFulozinha aceita que se mate o animal se for para saciar a nossa fome, mas renega quem o faz sem precisão. Algumas pessoas dizem que ela dá uma pisa de urtiga em gente malvada que maltrata os animais.
E aí a gente pode dizer que Cumade Fulozinha é uma menininha encantada que protege a flora e a fauna.
Ascenso Ferreira, poeta pernambucano conhecia a história da Caipora, tanto que escreveu no seu poema Trem das Alagoas, que, indo danado pra Catende dava pra ver lugares onde ela mora:
— Vou danado pra Catende,
         vou danado pra Catende,
            vou danado pra Catende
            com vontade de chegar...
Na boca da mata
há furnas incríveis
que em coisas terríveis
nos fazem pensar:
— Ali mora o Pai-da-Mata!
            — Ali é a casa das caiporas!
Há também quem chame Cumade Fulozinha de Flor do Mato, que nome mais lindo para uma menininha encantada que protege a flora e a fauna do Brasil, você não acha?

 Vovó do Mangue

Essa história de Vovó do Mangue vem da Bahia. Na cidade de Maragojipe, os pescadores contam histórias de uma velha que castiga as pessoas que fazem mal ao maguezal.
O grupo musical Cantarolama, que é da cidade de Maragojipe tem uma música muito bonitinha que conta a história:
 Vou lhe contar uma estória
que o Preto Velho um dia me contou
disse que ficou perdido
sentiu tanto medo que se arrepiou…


Viu a Vovó do Mangue andando de uma perna só,
ela lhe pediu charuto, um dente de alho
e um pouquinho de pó.


Era a velha rabugenta que protege o mangue
e a criação aqui: peixes, crustáceos, moluscos
de águas salobras que desaguam em mim… (bis)


Como em toda sua história,
ele tem memória e é bom pescador,
ele ofereceu cachimbo um pedacinho de fumo
e aguardente em flor.


Sumiu a Vovó do Mangue, seu rastro a maré lavou,
na noite de lua cheia, o caminho de volta
o Preto Velho achou… (bis)


E essa história é muito parecida com a de Cumade Fulozinha, não é mesmo?
Mas a Vovó do Mangue é uma entidade associada a Nanã, o Orixá mais velho, que habita as águas paradas, lagos, pântanos, manguezal. Nanã é a dona do barro com o qual Oxalá moldou os seres humanos.
Em Maragogipe eu vi um lugar no meio do manguezal para onde as pessoas iam  adorar a Nanã e lá depositar oferendas para ela.

E o Dia Do MANGUEZAL BRASILEIRO ficou sendo 26 de Julho, dia de Santa Ana, vó de Jesus Cristo, homenageando todas as Avós do Brasil, todas elas SANTANAS, NANÃS e VOVÓS DO MANGUE, em sua bondade, experiência e sabedoria (aprovado em Assembléia, no 6º Encontro Nacional de Educação Ambiental em Áreas de Manguezal Parnaíba- PI – 2000).

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